A PRIVATIZAÇÃO BURRA - Incendiando a própria casa para se livrar dos ratos.

Poucas vezes uma metáfora fez tanto sentido. É justamente isso o que propõem os que defendem a sanha privatista do golpista Temer, alegando ineficiência e corrupção nas empresas públicas: queimar a casa inteira, na tentativa de eliminar os ratos.

Antes de mais nada, é importante que se esclareça que a teoria social-democrática não se opõe a toda privatização per se. O setor privado deve ter espaço, com subsídios e desonerações por parte do Estado, para se desenvolver e gerar empregos. O que a teoria social-democrática abomina é a privatização de setores estratégicos para a Soberania Nacional, como o petróleo, os minérios, o setor elétrico, ferrovias etc.

O controle estatal sobre esses recursos garante que os interesses da população estejam acima da mera vontade dos mercados e sua busca por lucro a todo custo. Com um agravante, no caso brasileiro: as estatais comumente são vendidas a empresas estrangeiras, que remetem os lucros para suas matrizes em outros países. Lucros que serviriam para o investimento em infraestrutura no Brasil, por exemplo.

Uma caso emblemático é o da Petrobrás.

Segundo o Estadão, foi divulgado recentemente pela OMC um relatório, digamos, impreciso, apontando que a Petrobrás tem uma dívida de cerca de US$ 125 bilhões, e que "a política de preços da estatal parece (sic) ter provocado nos últimos anos (sic) uma perda nas vendas de petróleo de cerca de US$ 17,4 bilhões". Como "últimos anos", a OMC certamente se refere ao período de 2014 a 2016, logo, uma média de US$ 5,8 bilhões por ano.

Política de preços essa, é bom lembrar, que tinha como objetivo controlar a inflação, não repassando ao consumidor aumentos de preço de combustíveis e energia. Desse modo, o fator "gestão" foi responsável por perdas equivalentes a 13,9% do total da dívida. Seria, por si só, um motivo suficiente para se defender uma privatização?

Já o valor estimado de perdas na Petrobrás com corrupção entre 2004 e 2012 foi de R$ 6,2 bilhões (ou US$ 1,9 bilhões), segundo divulgado pela Lava Jato. Uma fortuna, sem dúvida, mas que representa apenas 1,5% da dívida da empresa. É plausível utilizar esse argumento para justificar a privatização da estatal?

Na realidade, a Petrobrás foi abalada principalmente por dois motivos. O primeiro foi a queda das commodities, fenômeno mundial que se iniciou em meados de 2014, se agravou a partir de 2015 e atingiu seu ápice em 2016.

Para se ter uma ideia, a cotação do barril chegou a US$ 114 em julho de 2014, mas fechou o mesmo ano abaixo de US$ 50. Uma desvalorização de cerca de 57% em apenas 6 meses! Em janeiro de 2016, a cotação chegou a US$ 25 o barril. Queda de incríveis 78% em menos de 2 anos! Um cenário extremamente desfavorável, que atingiu a todas as petrolíferas no mundo, privadas e estatais, e que paralisou os investimentos da Petrobrás, especialmente no pré-sal.

Como se isso não bastasse, outro fator foi a volatilidade cambial do período: em 1/7/2014, a cotação do dólar estava em R$ 2,26. Em 1/1/2016, já havia atingido R$ 3,99, uma desvalorização do Real de cerca de 64%. Isso impacta diretamente a Petrobrás, pois suas importações, bem como grande parte de suas dívidas (cerca de 84%), são negociadas em moeda estrangeira, o que aumentou as despesas da companhia.

Correndo o risco de exagerar na simplificação: imagine uma pessoa que tenha uma redução salarial de 78%. Que paulada, né? Agora imagine que essa mesma pessoa tenha, ao mesmo tempo, um aumento nas suas dívidas de cerca de 64%. Pois é, essa pessoa é a Petrobrás.

Por conta desses dois fatores (condições de mercado desfavoráveis e aumento de despesa com a desvalorização do real), em 2015 a Petrobrás reduziu a estimativa do valor dos seus ativos em R$ 47,6 bilhões. Em  2014, a companhia já havia reduzido o valor de seus ativos em R$ 44,3 bilhões.

Além de tudo isso, e por consequência disso tudo, entre janeiro de 2014 e janeiro de 2016, a Petrobrás encolheu US$ 35 bilhões em valor de mercado, ou 68% de seu valor desde o início de 2014. Contribuiu para a queda das ações a condução do MPF e a repercussão da mídia na operação Lava Jato, que, como já vimos, é um escândalo, mas de números com representatividade relativa. Pior: dos R$ 6,2 bilhões de perdas estimadas com a corrupção, foram recuperados, até o momento, R$ 716 milhões. Isso mesmo, cerca de US$ 221,9 milhões, ante a tempestade de centenas de bilhões de dólares em dívidas, descrita acima, que assola a empresa. Uma demonstração de que o combate à corrupção deve ser conduzido com menos alarde, menos sensacionalismo, e mais inteligência e responsabilidade, a fim de alcançar os corruptos preservando as empresas, os empregos que elas geram e toda a cadeia produtiva que elas alimentam.

A corrupção deve ser combatida, isso não se discute. Defendemos inclusive que os órgãos de controle e fiscalização devam ser assessorados/fiscalizados por entidades da sociedade civil, com total transparência, no sentido que haver o "controle do controle" para inibir ainda mais a corrupção. Mas, definitivamente, não seria a privatização o meio para inibir a corrupção. Isso seria como incendiar a própria casa, para se livrar dos ratos.

Por Francisco Mestre




Imagem:
Bira, em https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjy0QzNwzKrq_eqC3qw-iTlKPzvNSRB-4t4fw1vNLE-ksDQBQHIx7dJmdasHXg3poajnxhwHs8PVX8nMTgTZ3_V_FXz0-gWQ5im3b_3qObEOghM9Gt5NtbewPQE3QlALHskZ-4-tKJuqtg/s1600/bira_obra_do_psdb.jpg

Fontes:
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,petrobras-passou-a-ser-a-empresa-de-petroleo-mais-endividada-do-mundo-alerta-omc,70001892608

https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/politica/1429744001_078177.html

http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/04/bendine-atribui-prejuizo-na-petrobras-queda-no-preco-do-barril-de-petroleo.html

http://g1.globo.com/economia/mercados/noticia/2016/01/por-que-o-preco-do-petroleo-caiu-tanto-veja-perguntas-e-respostas.html

http://exame.abril.com.br/mercados/petrobras-tem-a-2a-maior-perda-entre-30-maiores-petroleiras/

https://m.br.investing.com/currencies/usd-brl-historical-data

http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2016/03/petrobras-registra-prejuizo-de-r-34836-bilhoes-em-2015.html

http://exame.abril.com.br/negocios/desvalorizacao-do-real-prejudica-petrobras-diz-bendine/

http://exame.abril.com.br/negocios/petrobras-recuperou-r-716-milhoes-com-lava-jato-ate-agora/

https://www.petronoticias.com.br/archives/100762