GREVE DOS JUÍZES: O "BRAZIL" NÃO CONHECE O BRASIL.



A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, pautou para o dia 22 de março o julgamento de ações sobre o pagamento de auxílio-moradia a juízes. Autorizados por liminares do ministro Luiz Fux, juízes vem recebendo os valores independentemente de contarem com residência própria ou não. Em resposta à decisão de Cármem Lúcia, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) convocou para 15 de março uma greve nacional da categoria, com “atos em defesa da valorização da magistratura” em todo o país. A convocação foi feita após reunião da qual participaram nove entidades de juízes e integrantes do Ministério Público: a Ajufe; a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); dos Magistrados do Distrito Federal (Amagis); a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp); a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR); a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT); a Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANPM); e a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT).

"Penduricalhos"

A atitude polêmica das associações de magistrados e procuradores vem acendendo o debate sobre os benefícios dessas categorias. Todo ano, são gastos bilhões de reais, não apenas com o seguro-moradia, mas com a série de "penduricalhos" concedidos a juízes e integrantes do Ministério Público, como auxílio-creche, auxílio-paletó, auxílio-alimentação e auxílio-pós-graduação. Segundo a ONG Contas Abertas, desde 2014 já foram empenhados cerca de R$ 5,4 bilhões somente com o benefício do auxílio-moradia para membros do Judiciário e do Ministério Público em todo o país. Esses benefícios não sofrem tributação, e em muitos casos resultam em vencimentos para esses servidores acima do teto constitucional do funcionalismo público, que é de R$ 33.763. E o mais intrigante é que muitos juízes e promotores, que nos últimos anos fizeram fama como paladinos da justiça e defensores da moralidade, se veem agora questionados por esses benefícios, conforme veremos abaixo: 

Sérgio Moro

O juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato em Curitiba, recebe mensalmente R$ 4.378 de auxílio-moradia, mesmo tendo imóvel próprio em Curitiba desde 2002. Moro alegou que o benefício é uma maneira de compensar a falta de reajuste salarial dos juízes federais. Segundo ele, "o auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados". Moro começou a receber o auxílio-moradia em outubro de 2014. Acrescentado o auxílio-alimentação de R$ 884, as indenizações totalizam R$ 5.262 por mês. Com salário-base de R$ 28.948, sua remuneração bruta chega a R$ 34.210, acima do teto constitucional.

Marcelo Bretas

O juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava-Jato no Rio de Janeiro, moveu uma ação para que ele e sua mulher, que também é magistrada, recebessem um benefício de auxílio-moradia cada um, apesar de uma resolução do CNJ proibir o pagamento em dobro. Ou seja, mesmo com imóvel próprio, e com ambos os cônjuges residindo no mesmo domicílio, os dois estão recebendo auxílio-moradia. Bretas respondeu às críticas em seu perfil no Twitter, confirmando que obteve o direito à vantagem na Justiça e que “o direito em questão foi assegurado a cada magistrado individualmente”. Noutro momento, também pelo Twitter, ironizou: “Pois é, tenho esse ‘estranho’ hábito. Sempre que penso ter direito a algo eu vou à Justiça e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto, ou pegar escondido ou à força. Mas, como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito”.

Carlos Thompson Flores 

Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), no qual tramitam os processos de segunda instância da Lava-Jato, e que  ganhou publicidade por ratificar a sentença (sem provas) de Sergio Moro no processo do triplex do Guarujá, Thompson Flores disse ser "desconfortável" para os juízes a discussão sobre o recebimento de auxílio-moradia. O próprio desembargador também recebe o benefício, de cerca de R$ 4 mil por mês, mesmo tendo imóvel próprio em Porto Alegre.

Deltan Dallagnol

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) na Operação Lava-Jato, recebe um total de R$ 6.659,73 por mês de verbas indenizatórias. Desse montante, R$ 4.377,73 são referentes a auxílio-moradia, apesar de o procurador possuir imóvel próprio em Curitiba, onde reside. A assessoria do MPF afirmou que o pagamento do benefício está "amparado em uma liminar e em regulamentações internas que não trazem entre as vedações o fato de a pessoa possuir imóvel". O MPF também diz que "a norma permite o pagamento a todos".

PGR manifesta-se a favor do benefício 

Em parecer enviado ao STF, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu o pagamento de auxílio-moradia aos integrantes do MPF. Segundo a PGR, não há "desvirtuamento da finalidade indenizatória pelo fato de a verba não distinguir membros proprietários de imóveis residenciais dos que não o são".

"Farinha pouca, meu pirão primeiro". 

Como vimos, juízes, procuradores e até a PGR enaltecem a ausência de ilegalidade para justificar os "penduricalhos". Legalidade assegurada, lembremos, por decisões de também magistrados, que também podem, em tese, se favorecer dos mesmos benefícios. A questão que se apresenta é muito mais quanto à moralidade de uma classe já tão valorizada  em seus salários usufruir também de tantos privilégios, e com esses "penduricalhos" ultrapassar o teto  do funcionalismo previsto na Constituição. Tudo isso num cenário no qual, em nome da austeridade e do equilíbrio das contas públicas, a população tem seus direitos trabalhistas atacados, sua Previdência Social ameaçada, e o acesso à Saúde e à Educação comprometidos pelo teto de gastos  (PEC da Morte) do governo golpista. É disso que se trata. Parafraseando Aldir Blanc e Maurício Tapajós em "Querelas do Brasil", interpretada magistralmente por Elis Regina, aparentemente o "Brazil" dos juízes e procuradores não conhece o "Brasil" da imensa maioria da população...

Por Francisco Mestre


Imagem: 
Instituto Trabalhistas (edição).

Fontes: 
http://www3.redetv.uol.com.br/blog/reinaldo/os-juizes-sao-os-verdadeiros-sacerdotes-nas-sociedades-modernas-nem-fazem-greve-nem-podem-ser-lideres-sindicais/
https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/343768/Raquel-Dodge-defende-auxílio-moradia-a-membros-do-MPF.htm
https://m.oglobo.globo.com/brasil/presidente-do-trf-4-diz-que-debate-sobre-auxilio-moradia-desconfortavel-para-juizes-22427115
http://mobile.valor.com.br/politica/5304195/moro-diz-que-auxilio-moradia-para-juiz-compensa-falta-de-reajuste
http://mobile.valor.com.br/politica/5307995/deltan-dallagnol-recebe-auxilio-moradia-mesmo-com-imovel-proprio
http://mobile.valor.com.br/politica/5340475/associacao-de-juizes-convoca-greve-antes-de-stf-votar-auxilio-moradia
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-01/juiz-bretas-usa-twitter-para-justificar-auxilio-moradia-para-ele-e-esposa