Por que a industrialização por substituição de importações (ISI) latino-americana causou sérios problemas nos anos 1970/1980?

A enxurrada de "dinheiro quente" (crédito a prazo curto e juro alto) e a desregulamentação financeira nos anos 1970 causaram um desastre na América Latina. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a experiência semi-monetarista de Paul Volcker e a escalada das taxas de juros nos EUA quebraram as economias latino-americanas de maneira terrível (um fenômeno que, aliás, foi um precursor da crise financeira asiática de 1997-1998.) Este texto trata dos problemas internos das políticas de industrialização por substituição de importações (ISI) na América Latina.

Erik S. Reinert (2007), em seu livro "Como os Países Ricos Ficaram Ricos e Porque os Países Pobres Ficam Pobres", apresenta as deficiências do planejamento latino-americano, como segue:

1) a ISI latino-americana negligenciou a necessidade de crescimento nas exportações das indústrias e a necessidade de eventualmente guiar essas indústrias na competição no mercado mundial. Para a concorrência no mercado mundial seriam necessárias políticas que impulsionassem a inovação, o crescimento da produtividade da indústria transformadora e o crescimento da quota de mercado. Ao mesmo tempo, a concorrência pura e simples no mercado livre não era a resposta, mas reduzir gradualmente o protecionismo e ajudando as indústrias, quando necessário, com a intervenção do governo para promover sua capacidade de competir;

2) a tecnologia utilizada nas indústrias tendia a ficar aquém do resto do mundo;

3) os governos falharam em criar indústrias domésticas que produzissem mais tecnologia e fatores de insumos utilizados nas principais indústrias transformadoras;

4) o tipo de indústrias criadas não impulsionou a demanda de um grande número de trabalhadores especializados e de profissionais tecnocratas, e os governos negligenciaram a profissionalização das pessoas onde havia demanda por esses trabalhadores;

5
) um maior grau de nepotismo na nomeação de pessoas envolvidas na indústria, sem avaliação das competências;


6) dificuldades na reforma agrária e na distribuição da terra;

7) a desigualdade de renda e a falta de expansão da demanda interna restringiram o mercado interno de bens manufaturados e, portanto, a capacidade do setor manufatureiro de se expandir. Ou seja, o mercado doméstico permaneceu pequeno;

8) lucros cada vez mais derivados da busca estática de renda (em detrimento ao investimento);

9) concorrência prejudicial entre produtores e fornecedores, quando uma cooperação intensa funcionaria melhor através da criação de cadeias de abastecimento internas altamente integradas.


Como observa Reinert, as nações do Leste Asiático, como o Japão, a Coréia do Sul e Taiwan, fizeram o oposto da América Latina em relação aos itens da lista acima.

Se os governos latino-americanos não tivessem cometido esses erros desde o início, a industrialização latino-americana teria sido muito mais bem-sucedida, como no caso do desenvolvimento do Leste Asiático. Além disso, uma vez que várias nações latino-americanas são muito ricas em recursos naturais, teriam estado em melhor posição para o crescimento econômico de longo prazo em comparação com a Ásia Oriental, que é pobre em recursos.

A conclusão a que chegamos é que a intervenção estatal é fundamental para que as nações cresçam de forma soberana. Porém, é necessário que as lições do passado não se percam, para que decisões governamentais bem sucedidas (como as verificadas na Ásia) sejam replicadas, e para que erros de decisão (como os constatados na America Latina) não se repitam. 

Por Francisco Mestre


Este texto é uma adaptação do original em inglês em: <http://socialdemocracy21stcentury.blogspot.com.br/2017/02/why-did-import-substitution.html>