A "boa vontade" dos economistas da InfoMoney com a economia Temer (parte 2).


Esta é a segunda parte do texto que analisa duas notícias da InfoMoney que escancaram o apoio do site ao golpista Temer. 

Essa segunda notícia deu um pouco mais de trabalho. Baixamos o estudo da UFRJ citado na matéria, lemos, e constatamos o que já desconfiávamos: o autor propõe uma nova metodologia, com a qual concluiu que "a queda da renda per capita brasileira no governo Dilma Rousseff (2011-agosto 2016) é determinada, quase que totalmente, por um conjunto de falhas nacionais, com destaque para as falhas de governo".

Para embasar essa afirmação, o autor alega que "o efeito falhas nacionais responde por mais de 90% enquanto o efeito conjuntura internacional responde por menos de 10% da diferença entre a taxa de referência (taxa de crescimento de longo prazo) e a taxa efetiva de variação do PIB brasileiro".

Acreditamos que o autor buscou agir de forma científica, com isenção e sem paixões partidárias (o que não podemos afirmar no caso da InfoMoney). Porém, não podemos deixar de realizar uma crítica à metodologia que propõe, o que não é novidade no meio acadêmico: os estudos publicados, sempre, trazem um recorte de certo fenômeno sob uma determinada ótica, não esgotando, portanto, o objeto de estudo, e sendo passível de críticas.

Após analisarmos o trabalho, identificamos algumas premissas da metodologia que influenciaram os resultados obtidos, e que contestamos abaixo.

A metodologia busca identificar as causas da queda da renda per capita brasileira entre 2011 e agosto (sic) de 2016, durante o governo Dilma. Analisa as falhas nacionais (que incluem as falhas de mercado, as falhas de governo e as falhas de modelo) e a conjuntura internacional como variáveis para compreender o fenômeno.


As falhas de mercado ocorreriam quando o sistema de formação de preços e alocação de recursos - via interação entre oferta e demanda - não é eficiente. As falhas de governo resultariam da intervenção estatal na economia por meio das ações regulatória, alocativa, distributiva e estabilizadora. As falhas de modelo seriam referentes às características estruturais próprias ao modelo de desenvolvimento, como estruturas de produção heterogêneas e concentradas; especialização em commodities; desemprego estrutural; déficit crônico nas contas externas; papel dominante das empresas estrangeiras; instabilidade específica via deterioração dos termos de troca e receita de exportação.

Nossa primeira crítica está na iniciativa do autor em não se propor a decompor empiricamente as falhas nacionais em falhas de mercado, falhas de governo e falhas de modelo, alegando que as falhas de mercado e de modelo seriam variáveis estruturais e de longo prazo que evoluiriam gradativamente, supondo que, nas perspectivas de curto e médio prazo, as falhas nacionais seriam, fundamentalmente, falhas de governo. Discordamos quando o autor minimiza as variáveis falhas de mercado e falhas de modelo, para responsabilizar as falhas de governo de forma integral às falhas nacionais. Como bem lembra o autor, as escolhas dos governantes decerto influenciam as falhas de mercado e de modelo. Mas o contrário também é verdadeiro, ou seríamos ingênuos em crer que os governantes, num sistema democrático, presidencialista, seriam imunes à influência dos mercados e dos modelos instituídos, para a tomada de decisão. 

Outra crítica que fazemos é em relação à pouca relevância que o autor atribui ao fator conjuntura internacional. O autor até considera a influência das fases da economia mundial sobre o desempenho das economias nacionais. Chega até a exemplificar como Alemanha e França sofrem menos influência da conjuntura internacional do que Brasil e Argentina. Mas discordamos do menosprezo à crise de 2008, quando cita o governo Lula (depreciando os méritos do mandatário) , e à queda das commodities de 2014-2015 quando analisa o governo Dilma (minimizando o peso da exportação de commodities para o Brasil). O autor afirma que, independentemente das fases da economia internacional, é razoável supor que determinado país tenda a manter sua posição relativa comparativamente ao resto do mundo (ceteris paribus). Uma generalização, que desconsidera as particularidades de cada país (no caso da queda das commodities, um país exportador de manufaturados sente um impacto menor do que um país exportador de commodities).

Mais uma crítica é o conceito de "taxa esperada" de variação percentual do PIB. Esse índice supõe que o país deveria manter sua posição em relação ao resto do mundo na fase desfavorável da conjuntura internacional. Algo irreal, pois, como já analisamos, países diferentes sentem de forma diferente a mesma crise, e além disso a taxa mundial é uma média das taxas de todos os países, logo, variações particulares são esperadas. 

Na metodologia proposta, o efeito da conjuntura internacional é medido como a perda (% PIB) expressa pela diferença entre uma determinada taxa de referência e a taxa esperada  de variação do PIB nacional. As falhas nacionais são medidas como a diferença entre a taxa esperada e a taxa efetiva de variação do PIB nacional. Como a metodologia proposta baseia-se no coberto de taxa esperada, obviamente os resultados são diretamente decorrentes das variáveis criticadas.

Não afirmamos que a gestão Dilma tenha sido perfeita. Houve sim falhas de governo, especialmente no início do segundo mandato, com a nomeação de Joaquim Levy e o aprofundamento de políticas liberais. Mas daí a creditar 90% dos resultados exclusivamente às falhas de governo, não nos parece adequado. Minimiza a queda das commodities, e ignora o fator crise política, patrocinada pela filosofia do "quanto pior, melhor" do PSDB e aliados desde a derrota tucana na eleição presidencial de 2014, com direito a pautas-bomba, sabotagens e chantagens de todo tipo (vide Eduardo Cunha). Numa República Federativa Presidencialista, o presidente não pode tudo. O Executivo depende do Legislativo para governar. Um Congresso que atuou sistematicamente para minar o governo Dilma, até sua queda. O que hoje, quase 1 ano após o golpe de 2016, fica cada vez mais evidente.

Ressaltamos que a tentativa de analisar os impactos da conjuntura internacional e das falhas nacionais é um exercício árduo, e que a tentativa deve ser valorizada. Mas não se deve utilizar esses resultados para generalizações, justamente o que a InfoMoney se apressou em fazer com a matéria publicada.

Fica bastante evidente, por duas vezes, a tentativa do site de criar um clima artificial de recuperação econômica, enquanto se esforça a fazer o leitor crer que, tudo o que der errado, será por culpa de uma suposta herança maldita da Dilma. Bom, tudo não: "só" 90%...

Por Francisco Mestre

Imagem: ISD