7 mentiras que os liberais contam: 4. "A Previdência Social é deficitária".

Essa é a "mentira da moda", graças ao intuito do governo Temer de emplacar uma Reforma da Previdência, utilizando o argumento de um suposto rombo na Previdência Social para aumentar o tempo de contribuição. Também não é exclusividade dos liberais, mas cai como uma luva no discurso demonizador do Estado e de exaltação à iniciativa privada que eles tanto pregam.

Os defensores dessa mentira partem de uma análise simplista que afirma que as pessoas que trabalham hoje pagam os benefícios daquelas que estão aposentadas. E como a expectativa de vida aumenta a cada ano, e como a quantidade de pessoas trabalhando tende a diminuir devido à queda nas taxas de natalidade, o sistema seria insustentável no longo prazo. Alegam que, sem a reforma, não será possível garantir os benefícios no futuro. Outros já chegam a afirmar que a Previdência Social já é deficitária hoje, e que estaria quebrada.

Ocorre que, na realidade, a Previdência Social é superavitária!

Para uma melhor compreensão, é necessário esclarecer que a Previdência Social faz parte da Seguridade Social, um conjunto de políticas sociais que almejam o amparo ao cidadão em situações como velhice, doença ou desemprego. A Seguridade Social é influenciada pelo conceito de Estado de Bem-Estar Social, que como já vimos é "marca registrada" da teoria social-democrática.

A Seguridade Social é composta pelo tripé: Previdência Social, Assistência Social e Saúde Pública. A Constituição Federal, em seu artigo 195, prevê que o financiamento da Seguridade Social (como um todo, os três programas) ocorre de diversas fontes, que podem ser divididas em fontes diretas (contribuições da empresa e dos trabalhadores) e indiretas (realizado por meio de toda a sociedade, por intermédio de impostos de âmbito federal, estadual e municipal. Em suma, impostos sobre cada produto que se compra ou serviço que se contrata):

  • receitas das contribuições sociais das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço; 
  • receitas das contribuições sociais dos empregadores domésticos; 
  • receitas das contribuições sociais dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário de contribuição;
  • receitas das contribuições sociais das empresas, incidentes sobre faturamento e lucro, como a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e tributos, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a CSLL; 
  • receitas de multas, a atualização monetária e os juros moratórios; 
  • remuneração recebida por serviços de arrecadação, fiscalização e cobrança prestados a terceiros;
  • receitas provenientes de prestação de outros serviços e de fornecimento ou arrendamento de bens;
  • demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras; 
  • doações, legados, subvenções e outras receitas eventuais;
  • sobre a receita de concursos de prognósticos (traduzindo: as loterias); 
  • do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar 
  • 50% dos valores obtidos e aplicados na forma do parágrafo único do art. 243 da Constituição Federal;
  • 40% do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo Departamento da Receita Federal; 
  • 50% do prêmio recolhido aos SUS para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados e atendidos pelo seguro DPVAT, sobre o valor total do prêmio pago pelas companhias seguradoras.

Como se vê, o sistema não é simplesmente "quem trabalha paga o benefício de quem está aposentado". Há uma série de receitas, previstas na Constituição Federal, que são desprezadas pelos "arautos do rombo". Todas essas receitas organizadas em um orçamento ÚNICO, da Seguridade Social, pois a Constituição Federal definiu, no seu artigo 165, que a Lei Orçamentária Anual (LOA) será composta pelo Orçamento Fiscal, pelo Orçamento de Investimentos das Empresas Estatais e pelo orçamento da Seguridade Social. Logo, não há amparo legal para se falar em rombo da Previdência Social como se existisse um orçamento específico para a Previdência Social.

Segundo a Associação Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil (Afinp), em 2014 o total de receitas foi de R$ 685 bilhões, e o total de despesas foi R$ 641 bilhões, um superávit de R$ 44 bilhões. Em 2015, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), o total de receitas foi de R$ 700 bilhões, e o total de despesas foi R$ 688 bilhões, um superávit de R$ 12 bilhões.

Mais recentemente, no final de 2017, esses dados foram confirmados pelo relatório da CPI da Previdência no Senado Federal. Chegou- se à conclusão de que não há déficit na Previdência Social, e mais: foi apontada a exagerada quantidade de renegociações e até anistias a grandes empresas sonegadoras de impostos.

Outro ponto é que os governos federais não costumam respeitar integralmente a vinculação de receitas para a Seguridade Social prevista na Constituição Federal. Por meio da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo criado no governo liberal de FHC e prorrogado desde então, que permite ao governo desvincular até 20% das receitas das contribuições sociais para as compensações fiscais, parte dessas receitas acabam sendo utilizadas para outros fins. Dados do governo divulgados pelo Sindifisco informam que em 2015, nada menos que R$ 66 bilhões foram desvinculados da Seguridade Social por DRU.

E segundo informações do vice-presidente de Assuntos Fiscais da Anfip, Vanderley José Maçaneiro, o cenário poderia se agravar: com a PEC 87/2015, aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados em julho de 2015, que previa a prorrogação até 2023 da DRU e o aumento da alíquota para 30% das receitas de contribuições sociais. “Caso seja aprovada essa PEC, certamente o discurso do governo e da mídia vai se tornar uma realidade. A seguridade social será deficitária”, afirmou na época. A PEC 87/2015 foi arquivada em junho de 2016, porém uma outra, a PEC 4/2015, teve prosseguimento, sendo aprovado um substitutivo à emenda, elevando para 30% o percentual de desvinculação, mas com prazo de vigência até 2019; incluindo as taxas na desvinculação em vez dos impostos; e acrescentando os artigos 76-A e 76-B, que criavam mecanismo de desvinculação de receitas dos estados e municípios, a exemplo da DRU. No Senado, a PEC 31/2016 (novo nome) foi aprovada por votação em dois turnos, com uma alteração: a extensão do mecanismo até 31 de dezembro de 2023.

Mas por que a mentira do rombo possui tantos adeptos? Uma explicação possível é o fato de muitos congressistas serem favorecidos com doações de bancos privados, que em última análise são os maiores interessados em acabar com a Previdência Social, para incrementar seus lucros na previdência PRIVADA. Na outra ponta, o cidadão comum, se não estiver bem esclarecido, pode ser levado a acreditar que a Previdência Social é insustentável, e passar a defender a migração para a previdência privada. Assim, ao invés de defender a Seguridade Social, uma conquista de muitos anos e que é superavitária, ajuda a afundar de vez a Previdência Social. Os bancos privados agradecem...

Por Francisco Mestre
Atualizado em 16/2/2018